Foi em 26 de fevereiro de 2007 que nasci de novo. Fui reintegrada ao Programa de Pós-Graduação da Unisinos. Como fui afastada é algo para mim tão traumático que dispensarei ao leitor os detalhes deste assunto. O fato é que uma das perguntas no final da reunião junto da coordenadora do PPG à época, professora Christa Berger, questionava se eu tinha em mente alguém para me orientar e eu com a voz trêmula disse: Valério Cruz Brittos. Falei o nome de forma rápida, urgente e ensaiada. Não conhecia o professor. Mas tinha passado a noite lendo Rede Globo – 40 anos de poder e Hegemonia, de autoria dele e de Cesar Bolaño. Escutei de Christa: “O Valério é um pesquisador muito sério, muito bacana e muito ocupado. Seria bom se tu convenceres ele a te aceitar”.
A palavra convencer martelou em minha cabeça até nosso primeiro encontro. E neste hiato temporal eu indagava como vou convencer? O que vou dizer para este professor depois de tudo o que me aconteceu? Resolvi falar às claras. Olho no olho. Sinceridade dos dois lados. E foi assim e foi sempre assim. Em nossa primeira entrevista pude vislumbrar um norte estando numa situação novamente caótica com minha mãe extremamente doente. Saí dali com um roteiro de leituras, com missões, prazos e encaminhamentos. Valério não perdia tempo. Tinha uma pressa imensa. Razão e coração juntos o tempo todo.
O primeiro semestre foi muito ruim. Eu tateava com as novas leituras, tive ainda que cumprir mais créditos. Aquilo me cansava. Viajava a cada quinze dias Teresina/POA/Teresina. Achei que novamente não iria conseguir e minha mãe só piorava. Entre o primeiro e o segundo semestres Valério chamou-me e traçamos uma meta de leitura, produção e a inserção no grupo de pesquisas e apresentação de trabalhos e encontros. Tudo foi se encaixando e comecei a produzir.
Neste ínterim, resolvi, junto de Valério, trazê-lo ao Piauí para abertura do projeto Diálogos Necessários, junto à faculdade CEUT. Foi brilhante. Mais de trezentos estudantes, professores, jornalistas e publicitários reunidos em um ginásio de esportes e Valério falou mais de duas horas para uma plateia atenta. Era um mês de outubro de muito calor. Na plateia, potenciais novos admiradores da Economia Política da Comunicação. Valério ficou encantado pelo Piauí. Nessa noite começamos a traçar o que seria no futuro um grupo de pesquisas que eu há muito imaginava: O Grupo de Pesquisas em Comunicação Economia Política e Diversidade – COMUM. Queria fazê-lo na Universidade Federal do Piauí. Queria reconstruir minha trajetória na UFPI também. Valério se prontificou a me ajudar no que fosse preciso. Sugeriu leituras, adorou o nome COMUM e deu conselhos de como seguir, tratar, fazer projetos.
Das 284 páginas da tese anterior restou o pó. Comecei do zero. Fiz a tese em dezoito meses. Depois que defendi, formatei o grupo COMUM e realizei na UFPI o Cepos Debates como evento inaugural do Grupo COMUM.
Aliada ao Cepos e seus projetos de pesquisas, foi possível juntar os primeiros alunos no coletivo de pesquisas e seguir com as orientações de TCC (graduação) e os PIBICs. Enquanto isso era trabalhado o projeto de mestrado para o curso de Comunicação. Novamente Valério se prontificou a ajudar numa de suas vindas. Comigo pudemos formatar a ementa da disciplina Economia Política do Jornalismo em desenvolvimento no PPGCOM que agora é uma realidade.
No Intercom 2011 em Recife-PE discutimos e elaboramos o Seminário Internacional de Economia Política do Jornalismo para maio de 2012. Ao longo do ano fomos trocando telefonemas e e-mails sobre nomes, programação, GTs etc. Sempre finalizava as novas conversas com a frase “tu sabes que podes contar comigo, tu sabes que pode contar com o Cepos, tu és parte dele. És do grupo”.
Estivemos juntos em março na banca de defesa de tese do cepeano Luciano Correia. Almoçamos e ratificamos tudo sobre o Seminário em Teresina e a proposta do livro pós-evento. Valério estava animadíssimo.
Marcado para os dias 29 e 30 de maio Valério faria a palestra magna de abertura e fazia parte também do comitê científico. Em abril recebo, por ele, a notícia de que não poderia vir, que estava doente e que enfrentaria um longo tratamento. Em choque inventei uma desculpa qualquer para sua ausência por respeito e por Valério ser sempre uma pessoa muito discreta em sua vida pessoal.
Mesmo doente nos falávamos a cada dois ou três dias e marcamos que eu estaria presente no I Encontro de Equipos de Investigación Cepos/UNQ, nos dias 6 e 7 de junho. Encontrei meu querido professor debilitado em um clima extremamente frio de Buenos Aires. Ficamos preocupados e queríamos preservá-lo de saídas e de ficar muito tempo no vento. Ele nos olhou e disse: “eu quero viver, me deixa ir para tudo, quero ir para todos os lugares, me deixa viver”. Assistiu a todas as apresentações. Ao final tivemos um dia de folga e percorremos a Florida, o Caminito, Puerto Madero e não podíamos deixar de ir até El Ateneo Grand Splendid e La Crujia. Saímos com volumes de livros. Livros que estou lendo, mas a ele faltou tempo.
Dia 27 de julho nosso amigo se foi. Deixou como legado a minha orientação de tese, da Rafaela Barbosa (mestrado), do Ricardo Vernieri (tese em andamento). Estavam aqui aguardando por ele os alunos de iniciação científica, mestrandos e mais de 250 participantes do seminário que não tiveram a chance de ouvi-lo. Deixou vários amigos e admiradores entre professores que foram orientados por ele, mestrandos que leem sua obra por influência de suas palestras e alunos de iniciação científica que seguem os caminhos da Economia Política da Comunicação.
Adeus meu mestre, meu mentor e meu amigo.
* Jacqueline Lima Dourado é doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos e professora do curso de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Piauí – PPGCOM/UFPI, líder do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Diversidade – COMUM/UFPI e membro do Conselho Fiscal da ULEPICC – Capítulo Brasil. E-mail: jacdourado@uol.com.br.